quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Os Romances de Cavalaria, a Literatura Fantástica e a Camaradagem: a importância da amizade e a influência de J. R. R. Tolkien nos escritos de George R. R. Martin

"Estou feliz em tê-lo aqui comigo” – disse Frodo. – “Aqui, no fim de todas as coisas, Sam.” 
~ J. R. R. Tolkien, O Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei



Mesmo com as inúmeras diferenças entre o estilo literário de J. R. R. Tolkien e George R. R. Martin, várias comparações são plausíveis entre um e outro escritor, especialmente quanto à influência de Tolkien como fonte de inspiração ao autor das Crônicas. É inegável o carinho que Martin tem por um dos mais famosos e reconhecidos contemporâneos da fantasia medieval, e isso se reflete em sua obra, apesar de seu conteúdo, escrita e arquétipos serem completamente diversos entre si.

Tanto Tolkien quanto Martin seguem um modelo que tem como inspiração antiga as também populares novelas - ou romances - de cavalaria. Essas são obras de origem medieval, como as famosas histórias do Rei Arthur e da Távola Redonda, passíveis de serem reconhecidas como códigos morais e de conduta cavaleiresca, repletas de simbolismo e misticismo, típicos da literatura fantástica. Costumam seguir o mesmo modelo cíclico, de sagas, no qual se baseiam ambos os escritores supracitados.

Pode-se destacar que um dos valores passados nestas histórias é o poder e a força da amizade; tal característica foi tão marcante nos romances de cavalaria que o próprio escritor Miguel de Cervantes se baseia na firme amizade entre um cavaleiro e seu escudeiro para dar margem a todas as suas aventuras, ainda que em um livro satírico. Porém, apesar do conteúdo irônico, o autor tenta valorizar a pureza idealista do homem honesto, o lado nobre da natureza humana, sendo a amizade entre Quixote e Sancho, os protagonistas, uma das manifestações mais puras de amizade na literatura. Juntos, formam o contraponto ideal entre a fantasia e a realidade, o idealismo e o cinismo. Toda a história é baseada no vínculo de confiança e afeição que os une, e é este laço que permite que o livro tenha um "final feliz". A inspiração para tal ideia vem da união entre os dois pólos, representados em dois personagens (inclusive simbolizando a união das classes, a humanidade independente da hierarquia), que, juntos, buscam ideais nobres, vivendo aventuras,  procurando fazer valer a justiça para todos.

Já a camaradagem na saga de Martin também se manifesta de maneira ferrenha, apesar da realidade controversa e caótica em que são inseridos os personagens. Em muitos momentos da obra, ela é essencial para as decisões e ações de muitos personagens, de núcleos, posições e lealdades diversas. Dividirei esse post em duas partes, analisando neste, primeiramente, a similaridade entre a função da amizade nos escritos de Tolkien, refletindo-se pelo destino de alguns personagens, e em como isso influenciou George R. R. Martin, especificamente em uma cena que será citada.


Frodo Baggins e os Hobbits, Jon Snow e seus amigos da Patrulha da Noite





Aparentemente poderia-se dizer que não há semelhança alguma entre os puros e ingênuos hobbits das obras de J. R. R. Tolkien e os jovens rapazes que entram na Patrulha da Noite, mas isso seria uma conclusão tirada de uma análise pouco detalhada.

Apesar de que muitos dos membros de tal ordem, no atual contexto da saga de Martin, escolham fazer seus votos de serviço contra a própria vontade, sendo condenados pela sociedade como criminosos, perjuros e párias num geral, podemos perceber certas características inerentes à juventude em muitos dos personagens que nos são apresentados pela ótica de Jon Snow, quando este vai para a Muralha.


Temos Pyp, apelido para Pypar, que viajara os Sete Reinos junto a uma trupe de pantomimeiros. Ele é um rapaz esperto, apesar de jovem, que diz ser capaz de reconhecer qualquer sotaque de Westeros. Pyp faz amizade com Jon Snow, e o ajuda a defender Samwell Tarly, um de seus companheiros da Muralha, das provocações que sofria dos outros membros. Seu nome pode ser claramente inspirado em Peregrin Took (ou Peregrin Tûk), cujo apelido era justamente... Pippin. O membro mais novo da Sociedade do Anel, e do grupo de hobbits amigos de Frodo, que o acompanham em sua jornada desde a saída do Condado. Pippin mantêm-se leal a Frodo desde o começo, e persiste na demanda do Anel, em seus diferentes papéis, inclusive lutando em diversas batalhas, até que Sauron finalmente é destruído. Além disso, sua personalidade não difere muito da do personagem da saga de Martin, compartilhando o espírito inquieto e desbravador, e até certas atitudes inconsequentes provenientes da idade tenra.



Outra semelhança está no colega mais próximo de Jon Snow, Samwell Tarly, também conhecido como Sam. Samwell sofre provocações de inúmeros membros da Patrulha da Noite por ser gordo, fraco e destreinado, um menino rico, criado com todo o conforto dentro do território de sua Casa. Apesar disso, Jon, Pyp, Grenn e alguns outros da Patrulha conseguem enxergar a grandeza em Sam, e suas virtudes inegáveis: seu interesse por adquirir conhecimento, sua vontade de ajudar, sua generosidade e, também, sua coragem. Samwell passa de "Sam, o Covarde", para "Sam, o Matador", ao enfrentar um white walker com o punhal de obsidiana e destruí-lo.

A inspiração é claríssima em Samwise Gamgee (ou Gamgi), amigo mais próximo de Frodo Baggins (ou Bolseiro), cuja alcunha, no final dos livros, tornou-se "Samwise, o Bravo". Ambos os personagens foram subestimados por outros de maior poder, riqueza e supostas capacidades, mas acabam por provar-se indispensáveis para inúmeros eventos importantes em suas respectivas fontes literárias. Sam e Sam compartilham a perseverança, a humildade e o afeto simples e honesto por aqueles que prezam.

É importante ressaltar que Sam e Frodo também entram no mesmo vínculo de "cavaleiro e escudeiro" herdado dos clássicos romances de cavalaria, uma vez que Samwise é o jardineiro de Frodo, e o trata sempre como seu patrão, embora o Portador do Anel preferisse que não o fizesse. Apesar da diferença hierárquica, a amizade entre Frodo e Sam é crucial para toda a cadeia de eventos que culminam na destruição do Anel, e é uma das demonstrações de afeição mais puras e abertas de toda a saga de Tolkien. Aparentemente, a amizade entre Jon e Sam inevitavelmente seguiu pelo mesmo caminho, considerando que Jon tornou-se Senhor Comandante da Patrulha da Noite.

Assim como, para inúmeros eventos do núcleo da Muralha, o forte vínculo entre Samwell e Jon Snow teve influência direta. Encontram juntos o punhal de obsidiana, Sam recorre a Jon para proteger Goiva, e Sam ruma para a Cidadela para tornar-se Meistre por ordem de Jon Snow, como Senhor Comandante, acreditando em seu grande potencial. Provavelmente esta amizade ainda será motivo de muitas reviravoltas a ocorrerem nos livros futuros.


O próprio Jon Snow é um personagem que compartilha características com o jovem Frodo Baggins. Jon e Frodo são órfãos, e não têm maiores sonhos na vida além dos de cumprir seus próprios papéis de direito. Snow deseja ir para a Patrulha tornar-se um patrulheiro, Frodo, continuar no Condado gerindo a herança de Bilbo, seu tio. Entretanto, quando são chamados a cumprir a "jornada do herói" - apesar de, na saga de Martin, não haver distinção entre heróis e vilões -, no sentido de seguirem sua própria jornada de amadurecimento, aceitam suas tarefas e persistem até o derradeiro fim. Jon não desejava ser Lorde Comandante, mas aceitou cumprir sua função. Frodo não desejava ser Portador do Anel, mas seguiu até os confins da Montanha da Perdição para destruir o Anel. Os dois seguiram a figura do "líder mártir", às suas formas, e, em uma ocasião em especial, tomaram decisões muito semelhantes.

Quando Jon Snow descobre que Ned Stark, seu pai, fora morto como um traidor, decide abandonar seus votos à Patrulha da Noite, mesmo sabendo que isso poderia acarretar sua morte por traição, e tenta fugir de Castelo Negro e os territórios adjacentes na calada da noite. Frodo Baggins sabia dos inúmeros perigos de sua jornada, e sentia-se grato pelo apoio que seus amigos hobbits lhe davam, mas decidira que seguiria sozinho, para cumprir seu dever como Portador do Anel, sem querer envolver aqueles que prezava, protegendo-os de possíveis sofrimentos. Tanto Frodo quanto Jon decidem seguir sozinhos, em um determinado ponto de suas histórias, e são impedidos pelos amigos, que os lembram que eles não estão sós; fazem parte de um todo, de um conjunto, e, assim, os relembram quais são suas verdadeiras missões, e pelo que de fato estavam lutando. Por todos aqueles que lhes eram caros, afinal. Curiosamente, tanto os hobbits quanto os amigos da Patrulha da Noite envolvem-se em "conspirações" para descobrir o que tramavam Frodo e Jon, cada um em sua respectiva saga, e sabem desde o princípio o que os amigos fariam, protegendo-os de seus próprios fantasmas, lembrando-os do carinho que tinham pelos melancólicos personagens mencionados, e impulsionando-os de maneira muito mais benéfica em suas respectivas jornadas.

Comparando os dois trechos, pode-se ver a inspiração de Martin neste momento de A Sociedade do Anel:



"— Bem! — disse Frodo finalmente, endireitando-se na cadeira, como se tivesse tomado uma decisão. — Não posso esconder isto por mais tempo. Tenho uma coisa para dizer a todos vocês. Mas não sei por onde começar. 
— Acho que posso ajudá-lo — disse Merry calmamente — Contando uma parte eu mesmo. 
— Que quer dizer? — perguntou Frodo, olhando-o ansiosamente. 
— Apenas isto, meu querido e velho Frodo: você está desolado, porque não sabe como dizer adeus. Você pretendia deixar o Condado, é claro. Mas o perigo lhe sobreveio antes do que esperava, e agora está se decidindo a partir imediatamente. E não quer fazê-lo. Sentimos muito por você.
Frodo abriu a boca, e a fechou novamente. Sua cara de surpresa era tão cômica que todos riram. 
— Querido e velho Frodo! — disse Pippin — Você realmente achou que tinha jogado poeira em nossos olhos? Não foi cuidadoso ou esperto o suficiente para isso! É óbvio que vem planejando partir e dizer adeus a tudo e a todos desde Abril. Nós o vimos constantemente resmungando: “Será que um dia verei aquele vale novamente?”, e coisas assim. E fingindo que começava a ficar sem dinheiro, e realmente vendendo seu adorado lar, Bolsão, para aqueles Sacola-Bolseiros. E todas aquelas conversas secretas com Gandalf. 
— Céus! — disse Frodo — Pensei que tinha sido cuidadoso e esperto. Não sei o que Gandalf diria. Então, todo o Condado está comentando a minha partida? 
— Ah, não! — disse Merry — Não se preocupe com isso. É claro que o segredo não vai durar muito, mas no momento só é conhecido por nós, conspiradores, eu acho. Afinal de contas, deve se lembrar que o conhecemos bem, e sempre estamos com você. Geralmente conseguimos adivinhar o que está pensando. Eu também conhecia Bilbo. Para falar a verdade, tenho ficado de olho em você desde que ele partiu. Achei que iria atrás dele, mais cedo ou mais tarde, e ultimamente temos estado muito ansiosos. Tínhamos pavor que nos pudesse passar a perna, e ir embora de repente sozinho, como ele fez. Desde a Primavera, estamos de olhos abertos, e fazendo muitos planos por nossa própria conta. Você não vai escapar tão facilmente! 
— Mas preciso ir — disse Frodo — Isso não pode ser evitado, queridos amigos. É terrível para todos nós, mas não adianta ficarem tentando me impedir. Já que adivinharam tanta coisa, por favor me ajudem, e não me atrasem. 
— Você não está entendendo — disse Pippin — Você precisa ir, portanto nós precisamos ir também. Merry e eu vamos com você. Sam é um sujeito excelente, e pularia dentro da garganta de um dragão para salvá-lo, se não tropeçasse nos próprios pés, mas você precisará de mais de um companheiro nessa aventura perigosa. 
— Meus queridos e idolatrados hobbits! — disse Frodo, profundamente emocionado — Não posso permitir que façam isso. Tomei a decisão há muito tempo, também. Vocês falam de perigos, mas não entendem. Isso não é nenhuma caça ao tesouro, nenhuma viagem de lá-e-de-volta. Estou fugindo de um perigo mortal, em direção a outro perigo mortal. 
— Claro que entendemos — disse Merry firmemente — É por isso que decidimos ir. Sabemos que o Anel não é brincadeira, mas faremos o possível para ajudá-lo contra o Inimigo. 
— O Anel! — disse Frodo, agora completamente aturdido. 
— Sim, o Anel — disse Merry — Meu querido e velho hobbit, você não leva em consideração a curiosidade dos amigos. Sei da existência do Anel há muitos anos, desde antes de Bilbo partir, na verdade, mas já que ele obviamente considerava isso um segredo, guardei para mim o que sabia, até que formamos nossa conspiração. É claro que não conhecia Bilbo como conheço você, eu era muito jovem, e também ele era mais cauteloso, mas não o suficiente. Se quiser saber como descobri, eu lhe conto. 
— Continue! — disse Frodo baixinho. 
— A armadilha foram os Sacola-Bolseiros, como já se poderia esperar. Um dia, um ano antes da Festa, eu por acaso estava caminhando pela estrada, quando vi Bilbo mais adiante. De repente, na distância, os Sacola-Bolseiros surgiram, vindo em nossa direção. Bilbo diminuiu o passo, e então de súbito desapareceu. Fiquei tão assustado que não tive capacidade de me esconder de um modo mais usual, mas entrei na cerca-viva e caminhei ao longo do campo, do lado de dentro. Estava espiando a estrada, depois que os Sacola-Bolseiros tinham passado, e olhando direto para Bilbo quando ele reapareceu. Pude ver o reflexo de um objeto de ouro quando ele colocou alguma coisa de volta no bolso da calça. Depois disso, mantive os olhos abertos — continuou Merry — Na verdade, confesso que espionei. Mas deve admitir que a coisa era muito intrigante, e eu era apenas um adolescente. Devo ser o único no Condado, além de você, Frodo, que já leu o livro secreto do velho camarada. 
— Você leu o livro! — gritou Frodo — Puxa vida! Então nada pode ser guardado a salvo? 
— Não perfeitamente a salvo, eu acho — disse Merry — Mas eu só dei uma olhada rápida, e isso já foi difícil. Ele nunca deixava o livro jogado por aí. Fico imaginando o que foi feito dele. Gostaria de dar mais uma olhada. Você está com ele, Frodo? 
— Não, não estava em Bolsão. Bilbo deve tê-lo levado. 
— Bem, como ia dizendo — continuou Merry — Guardei para mim o que sabia, até esta Primavera, quando as coisas ficaram sérias. Então formamos nossa conspiração, e como também estávamos levando isso a sério, e falávamos a sério, não fomos escrupulosos demais. Você é um osso duro de roer, e Gandalf é ainda pior. Mas se quiser conhecer nosso investigador-chefe, posso apresentá-lo. 
— Onde está ele? — perguntou Frodo olhando ao redor, como se esperasse que uma figura mascarada e sinistra saísse de dentro do armário. 
— Um passo à frente, Sam! — disse Merry, e Sam se levantou com o rosto vermelho até as orelhas — Aqui está nosso coletor de informações! E ele coletou muitas, posso lhe garantir, antes de ser finalmente pego. Depois do que, posso dizer, pareceu julgar que estava comprometido com sua palavra de honra, e simplesmente ficou mudo. 
— Sam! — gritou Frodo, sentindo que a surpresa não poderia ser maior, e não podendo decidir se estava zangado, aliviado, achando graça ou simplesmente fazendo papel de bobo. 
— Sim, senhor! — disse Sam — Peço desculpas, senhor! Mas não quis lhe fazer mal, Sr. Frodo, nem ao Sr. Gandalf, falando nisso. Ele é sensato, veja bem, e quando o senhor disse ir sozinho, ele disse não! Leve alguém em quem possa confiar. 
— Mas isso não quer dizer que eu possa confiar em qualquer um — disse Frodo.
Sam lançou-lhe um olhar triste. 
— Tudo depende do que você deseja — interrompeu Merry — Pode confiar em nós para ficarmos juntos com você nos bons e maus momentos, até o mais amargo fim. E pode confiar também que guardaremos qualquer um de seus segredos, melhor ainda do que você os guarda para si. Mas não pode confiar que deixaremos que enfrente problemas sozinho, e que vá embora sem dizer uma palavra. Somos seus amigos, Frodo. De qualquer modo, é isto: sabemos a maior parte do que Gandalf lhe disse. Sabemos muito sobre o Anel. Estamos com um medo terrível, mas iremos ao seu lado, seguiremos você como cães. 
— E, afinal de contas, senhor — acrescentou Sam — O senhor deveria seguir o conselho dos elfos. Gildor lhe disse que deveria levar pessoas que estivessem dispostas. E nós estamos, isso não se pode negar. 
— Eu não nego — disse Frodo olhando para Sam, que agora sorria — Não nego, mas nunca mais vou acreditar que está dormindo, quer você ronque ou não. Vou dar-lhe um chute forte para ter certeza. Bando de patifes enganadores! — disse ele, virando-se para os outros — Mas ainda bem que tenho vocês! — disse rindo, levantando-se e acenando os braços — Desisto. Vou seguir o conselho de Gildor. Se o perigo não fosse tão grande dançaria de alegria. Mas mesmo assim, não consigo evitar a felicidade que sinto, felicidade que há muito não sentia. Temia muito por esta noite. 
— Bom! Está combinado! Três brindes para o Capitão Frodo e Companhia! — gritaram eles, dançando em volta de Frodo."

- Trecho extraído de O Senhor dos Anéis, A Sociedade do Anel, de J. R. R. Tolkien.

"- Eles cortam sua cabeça se o apanharem, sabe? - Sapo soltou uma gargalhada nervosa. -Isto é tão estúpido, é como alguma coisa que um auroque poderia fazer. - Não é nada - disse Grenn. 
- Não sou perjuro nenhum. Disse as palavras e foi a sério. 
- Eu também - disse-lhes Jon. - Não compreendem? Eles assassinaram meu pai. É a guerra, meu irmão Robb está lutando nas terras do rio... 
- Nós sabemos - disse Pyp solenemente. - Sam nos contou tudo. - Temos pena pelo seu pai - disse Grenn -, mas não importa. Depois de dizer as palavras, não pode partir, aconteça o que acontecer. 
- Tenho de partir - disse Jon fervorosamente. - Você disse as palavras - lembrou-lhe Pyp. - Agora começa a minha vigia, foi isto que disse. Não terminará até a minha morte. - Viverei e morrerei no meu posto - acrescentou Grenn, concordando com a cabeça. 
- Não é preciso me dizer as palavras, conheço-as tão bem como vocês - agora estava zangado. Por que não podiam deixá-lo ir em paz? Só tornavam as coisas mais difíceis. - Sou a espada na escuridão - entoou Halder. - O vigilante nas muralhas - piou Sapo. Jon insultou-os a todos. Eles não lhe deram atenção. Pyp fez avançar o cavalo, recitando: - Sou o fogo que arde contra o frio, a luz que traz consigo a alvorada, a trombeta que acorda os que dormem, o escudo que defende os reinos dos homens.
- Não se aproxime - preveniu-o Jon, brandindo a espada. - Falo sério, Pyp - eles nem sequer traziam armaduras, podia cortá-los aos pedacinhos se tivesse de ser. Matthar rodeara-o por trás. E juntou-se ao coro. - Dou a minha vida e a minha honra à Patrulha da Noite. Jon bateu com os calcanhares na égua, fazendo-a descrever um círculo. Os rapazes estavam agora em toda a sua volta, aproximando-se por todos os lados. 
- Por esta noite... - Halder aproximou-se a trote, vindo da esquerda. - ...e por todas as noites que estão por vir - terminou Pyp. Estendeu a mão para as rédeas de Jon. 
- Portanto, sua escolha é esta. Ou me mata ou torna comigo.-  Jon ergueu a espada... e a abaixou, impotente. 
- Maldito seja - disse. - Malditos sejam todos, 
- Temos de atar suas mãos ou promete que voltará pacificamente? - perguntou Halder. - Não fugirei, se é isso que quer saber - Fantasma saiu das árvores e Jon enviou-lhe um olhar zangado. - Pouca ajuda você me deu - disse. Os profundos olhos vermelhos olharam-no com inteligência. - É melhor que nos apressemos - disse Pyp. - Se não estivermos de volta antes da primeira luz da aurora, o Velho Urso terá todas as nossas cabeças."
- Trecho extraído de As Crônicas de Gelo e Fogo, A Guerra dos Tronos, de George R. R. Martin.





É interessante perceber que, na fantasia medieval, a "Patrulha" dos personagens jamais é individualista. Na 'jornada do herói', não apenas a valentia e a iniciativa do personagem central são valorosas, mas sim também as qualidades e virtudes dos que os acompanham. É por esse equilíbrio de desejos e anseios que a história se desenrola, com a participação de cada um do grupo contando de forma indubitavelmente relevante para formar os acontecimentos delineados. Ainda que Frodo e Jon tenham "rompido" com as suas "sociedades", conhecem a lealdade de seus amigos, e confiam naqueles que tiveram de se afastar. A "Patrulha" jamais será solitária, tanto para os hobbits, como para os jovens companheiros da Muralha, e a força de tais vínculos puros de amizade é muitas vezes a fonte de coragem e de muitas outras virtudes individuais. Afinal, foi graças ao equilíbrio de vontades, pensamentos e personalidades, que pôde-se trazer o melhor de cada um, quando assim foi preciso.

2 comentários:

  1. Khaleesi, já estava sentindo falta de seus textos! Esse em especial me evoca muitos sentimentos, pois Tolkien sempre foi o número um em meu coração. A dissertação sobre a amizade, influenciada desde histórias como Dom Quixote foi esplêndida. O que achei muito legal é que você fez relações entre O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Gelo e Fogo de uma forma lúcida e sem incitar rivalidades. É nítida a inspiração e influência que os quatro hobbits mais famosos do mundo e até a Sociedade do Anel exerce sobre as obras que foram posteriores ao épico de J.R.R. Tolkien.

    Eu por um momento quase vi a projeção da dupla Frodo e Samwise em Jon e Samwell!

    No aguardo da próxima postagem!

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  2. Você escreve muito bem, parabéns! Além da escrita o foco da amizade nas duas obras é muito bem explorado, adorei!

    Um Batom Vermelho e Nada Mais

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